Prevenção do câncer de próstata
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O câncer de próstata é uma doença desconcertante. O paradigma de diagnóstico precoce e tratamento imediato, válido para os demais tumores malignos, está sendo questionado para um número significante dos que recebem o diagnóstico da doença.
Quando comecei a carreira nos anos 1970, câncer de próstata era uma doença relativamente rara, característica de homens idosos, portadores de outros problemas de saúde geralmente mais graves. O diagnóstico só era feito quando surgia dificuldade para urinar, obstrução urinária, sangramento, dores na região ou os sintomas das metástases ósseas, complicações tardias, típicas dos tumores avançados localmente e daqueles que já se disseminaram pelo esqueleto.
O tratamento se limitava à retirada dos testículos para bloquear a produção de testosterona e à administração de hormônios femininos. Boa parte dos pacientes entrava em remissões prolongadas enquanto outros não sobreviviam à progressão da enfermidade.
A partir dos anos 1990, o emprego do toque retal rotineiro e de um exame de sangue, o PSA, como teste de triagem, levou à indicação de biópsias de próstata capazes de identificar tumores iniciais em homens completamente assintomáticos.
O diagnóstico precoce permitiu que os cirurgiões aprimorassem as técnicas para a retirada radical da próstata e possibilitou o desenvolvimento de métodos modernos de radioterapia, nos quais os raios incidem diretamente sobre o órgão com o mínimo de “escape” para os tecidos vizinhos.
Infelizmente, esses avanços tiveram um preço: as complicações do tratamento. Em cerca de 50% dos casos surge impotência sexual; incontinência urinária em 5% a 10%; cistites e efeitos tóxicos da ação da radioterapia sobre o reto (diarreia, sangramento retal e inflamações crônicas) em 5%a 20%.
Os benefícios coletivos da aplicação desses métodos de triagem (PSA e toque retal) têm provocado discussões acaloradas entre os especialistas, depois que alguns estudos americanos e europeus demonstraram que perseguir o diagnóstico precoce tem pequeno impacto na redução da mortalidade. Na melhor das hipóteses seria capaz de evitar uma morte para cada 48 pacientes tratados, num período de 10 anos.
A história natural da doença costuma ser tão lenta que na maioria dos casos nos quais o tumor é identificado depois dos 60 anos, não haveria necessidade de tratamento imediato, porque os pacientes morreriam precocemente por outras causas ou conviveriam em equilíbrio com o tumor, sem manifestações que lhes prejudicasse a qualidade de vida.
O que complica essa equação é que alguns homens desenvolvem tumores muito agressivos, que se disseminam rapidamente.
Nos últimos anos surgiram modelos que levam em conta a idade, os valores do PSA, as características das células malignas e a área da próstata invadida por elas, entre outros parâmetros, para identificar o grupo que teria a vida salva graças ao tratamento precoce e radical.
Embora útil, a aplicação prática desses modelos está distante do rigor matemático. Há tumores classificados como de baixo risco que se disseminam, enquanto outros de risco elevado evoluem sem complicações.
Como devemos nos comportar? Continuamos a fazer os exames preventivos ou deixamos de lado os toques retais e o PSA?
Há duas maneiras de raciocinar. Uma é a do administrador: vale a pena alocar recursos para exames, biópsias, cirurgias e radioterapia para o tratamento de 48 pacientes com a finalidade de salvar a vida de apenas um, em dez anos? Se esse dinheiro fosse investido em outras áreas da saúde pública não haveria benefício maior para a população?
A segunda é a perspectiva individual. Se eu tivesse convicção de que não sou justamente aquele que vai morrer entre os 48 tratados, juro que não faria mais exames. Enquanto a medicina não me der essa certeza, continuo repetindo o PSA e o toque retal todos os anos
Dr.Drauzio Varella
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