A década de 90 vem sendo considerada nos EUA como a década do cérebro. Os avanços científicos relativos ao funcionamento cerebral tem sido de tal grandeza que a expressão justifica-se plenamente. O crescimento tecnológico tem permitido o desenvolvimento das mais variadas técnicas de abordagem da mente e do corpo em um nível nunca antes imaginado.
São as modernas TECNOLOGIAS DA MENTE onde se incluem o Biofeedback, as mind-machines (aparelhos de estimulação cerebral por luz e som), CES (aparelhos de estimulação elétrica do cérebro), as técnicas de aprendizagem acelerada, etc. Dentre elas se destaca o Biofeedback como a mais revolucionária e promissora forma de abordagem do funcionamento mental e corporal, podendo ser considerada como uma das terapias que predominarão no século XXI.
Esta forma de terapia, muito difundida em países desenvolvidos como EUA, Japão, Canadá, França, etc., tem apresentado um índice de crescimento extraordinário e um nível de sofisticação e desenvolvimento inconcebíveis há uma ou duas décadas atrás. No Brasil apenas recentemente tal modalidade terapêutica foi introduzida. O desconhecimento em nosso meio, do que seja a terapia por biofeedback é de uma dimensão surpreendente, ainda mais se considerarmos a imensa facilidade de acesso à informação existente nos dias de hoje. Sem entrar no mérito das razões que possam estar justificando tal desconhecimento, nos propomos neste artigo trazer à luz as informações básicas que permitam esclarecer no que consiste a biofeedbackterapia.
Imagine uma criança hiperativa, isto é, que não para de se mexer, inquieta e rebelde, distraída e relaxada com tudo, que só quer brincar e se divertir, incapaz de se sentar e fazer os seus deveres escolares. É aquele tipo de criança que já mudou de escola várias vezes, considerada um pequeno demônio pela vizinhança e cujos pais não sabem mais o que fazer para incutir nas mesmas o sentido de responsabilidade e tranqüilidade. Através de uma aparelhagem apropriada, conectada a um computador, esta mesma criança é colocada a jogar um game (o que aliás, elas adoram). Após alguns meses a mesma revela-se mais calma, conseguindo ficar sentada e cumprir com seus deveres escolares, revelando acentuada melhora em seu aproveitamento escolar. Milagre? Não. Na realidade o game é um programa especial, feito para treiná-la a modificar determinadas ondas cerebrais, exatamente aquelas que respondiam pelo seu comportamento anteriormente desajustado. Do mesmo modo, pode-se treinar as pessoas a dominarem inúmeras outras condições psicológicas ou físicas, obtendo assim o alívio de sintomas advindos do transtorno dessas condições.
O QUE SIGNIFICA BIOFEEDBACK
Quando você programa um aparelho de ar condicionado para manter a temperatura de uma sala, por exemplo, entre 20°C e 25°C, acontece o seguinte: se a temperatura da sala atingir 25°C, um sensor detecta aquele valor e manda uma ordem ao aparelho para refrigerar a sala. Com a refrigeração a temperatura irá cair e quando chegar a 20°C, o sensor acusa e manda nova ordem ao aparelho: interrompa a refrigeração. Se a temperatura volta a subir a 25°C, o ciclo recomeça e assim vai indefinida e automaticamente. Este é o mecanismo da retroalimentação (ou servomecanismo) e que equivale em inglês à palavra "feedback": corrigir o curso de um processo, intervindo em um ponto anterior do seu desenvolvimento ou ciclo. Quando você coloca um termômetro para medir sua febre ou sobe numa balança para verificar seu peso, você está usando um procedimento idêntico ao anterior. A informação dada pelo termômetro ou pela balança leva você a ter um comportamento para baixar a febre (tomar antitérmico ou antibiótico) ou para diminuir o peso (com dieta, exercícios). Se sua febre ou o seu peso aumentarem, você irá tomar novas providências para sua queda. Quando o termômetro lhe informar que sua temperatura voltou ao normal, ou a balança acusar que você atingiu o peso desejado, você então interrompe o tratamento ou o regime.
Biofeedback é a aplicação desta idéia aos processo biológicos.
COMO SURGIU O BIOFEEDBACK
O conhecimento que sempre se teve sobre o funcionamento do Sistema Nervoso Autônomo era o de um conjunto de funções biológicas inconscientes , involuntárias e auto-reguladas. A auto-regulação era concebida como um processo imutável, onde leis rígidas definiam o modus operandi de funções como o ritmo cardíaco, a frequência respiratória, o fluxo sanguíneo entre inúmeras outras. Neal Miller, um dos mais renomados psicólogos experimentais de nosso tempo, em meados de 1960 manifestou sua convicção de que as funções biológicas sob o controle do SNA poderiam ser manipuladas e colocadas sob o controle consciente através da aprendizagem instrumental. Miller acreditava que se houvesse um indicador revelando o estado de alguma dessas funções, seria possível condicioná-la, do mesmo modo como fora possível condicionar as funções do Sistema Nervoso Somático. Vencidas certas dificuldades técnicas, Miller demonstrou inequivocamente a factibilidade e o acerto de suas suposições. Se Pavlov demonstrara a possibilidade de se condicionar a salivação em cães com o som de uma campainha, Miller foi além e demonstrou ser possível condicionar-se animais a regularem a quantidade de sua salivação, para mais ou para menos.A partir daí, a experimentação laboratorial confirmou a viabilidade do condicionamento de uma gama de funções autonômicas. Com o desenvolvimento tecnológico, principalmente na área da computação, criou-se condições para o controle instantâneo de um conjunto de funções autonômicas em seres humanos. Nasceu assim o biofeedback.
O QUE É BIOFEEDBACK
É uma técnica em que se aprende o controle voluntário de funções fisiológicas das quais as pessoas normalmente não tem consciência, com a finalidade de recuperar, manter ou melhorar sua saúde e/ou seus desempenhos. Isto é feito através do uso de determinados aparelhos que medem com precisão e instantaneamente como se encontra a função fisiológica em estudo, informando ao sujeito, de modo visual ou sonoro, quais os valores medidos. Com esta informação e orientado pelo biofeedbackterapeuta, o sujeito tem possibilidade de alterar tais valores, para mais ou para menos, segundo a sua vontade e conforme o que for mais desejável. Com um treinamento repetido, supervisionado pelo biofeedbackterapeuta, o sujeito consegue condicionar aquele processo fisiológico a funcionar de modo estável e desejado.
O CAMPO DE APLICAÇÃO DO BIOFEEDBACK
O biofeedback é uma terapia revolucionária e tudo indica ser uma das terapias do futuro. Seu campo de aplicação é muito amplo e a cada dia surgem aplicações em novas áreas. Na atualidade tem sido aplicado com sucesso nas seguintes condições e distúrbios:
1. Todas as manifestações de stress, estafa e síndrome de fadiga crônica.
2. Quadros ansiosos, fobias, síndrome do pânico, distúrbio obsessivo-compulsivo (DOC).
3. Depressão.
4. Distúrbios de aprendizagem, em especial os devidos a déficit de atenção com ou sem hiperatividade (ADD/ADHD).
5. Alcoolismo e dependência a drogas.
6. Enxaqueca e dores de cabeça tensionais.
7. Dores crônicas lombares, na nuca e ombros, etc.
8. Hipertensão arterial essencial, arritmias cardíacas.
9. Problemas musculares como torcicolo, bruxismo (TMJ), LER (Lesões por esforço repetido).
10. Reabilitação neuromuscular em seqüelas de AVC(espasticidade ou flacidez), concussão cerebral, paralisia cerebral.
11. Asma e doenças alérgicas.
12. Doença de Raynaud.
13. Insônia.
14. Incontinência fecal e urinária.
Além do seu aspecto terapêutico o biofeedback é uma ferramenta educacional, prestando-se ao aprimoramento de desempenhos. Neste sentido, tem sido aplicado nas equipes olímpicas (EUA, Canadá, Japão) visando levar seus atletas a alcançarem desempenhos máximos, de excelência (peak performance). Contudo o treinamento de desempenhos de excelência não se restringe à esfera esportiva, aplicando-se a outras classes de desempenho, como os da esfera executiva, a educacional, a de comunicações, etc.
AS MODALIDADES DE BIOFEEDBACK
As modalidades clássicas do biofeedback são a eletrodérmica (GSR, EDR OU EDA), a térmica (TEMP), a eletromiográfica (EMG) e a eletroencefalográfica (EEG) ou neurofeedback.
O eletrodermofeedback (GRS, EDR ou EDA) se faz através da passagem de uma microcorrente elétrica (insensível) pela superfície da pele, medindo-se a resistência a esta passagem. Quando as glândulas sudoríparas estão ativas, a resistência à passagem da corrente diminui. Em caso contrário, a resistência aumenta. A medida da resistência elétrica traduz a atividade/inatividade das glândulas sudoríparas as quais, por sua vez, são um reflexo da atividade do sistema nervoso simpático.
Software para PC para registro e análise da resposta fisiológica de pacientes em tratamento por biofeedback. Peak-to-Peak Amplitude mostra a amplitude da resposta de pressão arterial do indivíduo entre duas batidas cardíacas. Heart Rate mostra a flutuação da freqüência cardíaca em função do tempo, e GSR Value mostra o decréscimo da resposta galvânica da pele durante o treinamento da resposta.
Como se pode ver, é uma versão atualizada do antigo detector de mentiras. A análise do padrão de resposta elétrica da pele permite estabelecer a correlação entre o estado emocional e a atividade do sistema simpático e deste modo encontrar a melhor condição para cada indivíduo em particular.
O termofeedback (TEMP) consiste em se alterar a temperatura nos dedos das mãos ou dos pés, variação esta em íntima correlação com as condições de vasodilatação/vasoconstrição nestes locais. A vasodilatação é acompanhada de aumento na temperatura, ao contrário da vasoconstrição que implica queda na temperatura. Também aqui ficamos sabendo das condições emocionais e físicas do sujeito, expressas pela ativação/desativação do sistema nervoso autônomo (simpático/parassimpático).
Desta forma, o controle vasomotor pode ser treinado e condicionado (em ambos os sentidos), o que irá permitir, por exemplo, o alívio da enxaqueca. O feedback eletromiográfico (EMG) consiste em se medir a atividade elétrica dos músculos a qual expressa o grau de contração/relaxamento dos mesmos. Desta maneira é possível treinar o indivíduo a fortalecer a musculatura quando for indicado ou então a produzir um relaxamento físico quando for o caso.
Moderno aparelho autônomo computadorizado
para treinamento de biofeedback de eletromiografia
Sistema que pode ser acoplado a um PC para
acompanhamento e análise da resposta de EMG
O neurofeedback ou feedback eletroencefalográfico consiste em se medir as ondas elétricas do cérebro, tal como acontece no eletroencefalograma clássico. Pode-se então, treinar o indivíduo a produzir ou diminuir a produção (amplitude e/ou freqüência) de qualquer uma das faixas de ondas cerebrais, em qualquer um dos hemisférios cerebrais ou em ambos, conforme o estado físico e subjetivo que se almeja alcançar. Além das quatro modalidades citadas há que se mencionar ainda o feedback cardíaco (ECG) onde se mede e se controla a freqüência cardíaca e a pressão arterial, e o feedback respiratório, onde se controla o tipo de respiração (toráxica/diafragmática) e a freqüência respiratória.
Exame de topografia cerebral de EEG permite selecionar padrões espaciais de distribuição do eletroencefalograma na cabeça do paciente, e realizar biofeedback apenas para eles. Exige 30 ou mais canais de EEG e sofisticados softwares de análise e reconhecimento da "assinatura" deixada pelo exame para diversos tipos de condições mentais.
COMO É REALIZADA A BIOFEEDBACKTERAPIA
É feita através de 1 a 3 sessões semanais de 30 a 50 minutos cada uma. A duração total do treinamento é variável conforme a modalidade e o distúrbio a ser tratado. Em termos gerais considera-se uma média entre 20-40 sessões. No entanto, observa-se uma diminuição no número de sessões de ano a ano, segundo a experiência do terapeuta e o crescente desenvolvimento tecnológico que tem permitido a construção de aparelhos mais sofisticados e eficientes.
A biofeedbackterapia é uma técnica cuja aplicação não é de uso exclusivo de uma categoria profissional. Assim sendo, ela pode ser praticada por profissionais de diferentes áreas. Sua aplicação tem sido prioritariamente realizada por profissionais da área de saúde (médicos, psicólogos, odontólogos, enfermeiras, etc.) e da área educacional. A exigência fundamental é uma adequada formação em anatomia e psicofisiologia humana. Isto implica a freqüência em cursos de especialização e formação técnica e científica para a aquisição dos conhecimentos e o desenvolvimento da destreza necessários à prática da biofidbackterapia.
VANTAGENS DA TERAPIA
A biofeedback terapia apresenta inúmeros pontos positivos quando comparados com outras formas de tratamento. Ao contrário do que acontece no tratamento medicamentoso, a biofeedback terapia não apresenta efeitos colaterais. Além disso não é invasiva como o são as cirurgias. É portanto uma forma de terapia praticamente inócua, completamente indolor. Acresce-se ainda que é extremamente segura. Outro ponto a ser mencionado é que o paciente tem o controle da evolução da terapia. A participação consciente e voluntária do paciente desempenha um papel decisivo no sucesso da terapia. Como já foi mencionado, o biofeedback não é apenas terapia. Sua dimensão educacional acaba por acarretar no paciente uma modificação de hábitos e comportamentos levando a uma reorganização na vida deste.
PARA SABER MAIS
* Schwartz, M.S. Biofeedback: A Practitioner’s Guide. The Guilford Press, New York. 1995.
* Criswell, E. Biofeedback and Somatics. Freeperson Press,Novato. 1995.
* Basmajian, J. V. Biofeedback: Principles and Practice for Clinicians. Williams & Wilkins, Baltimore. 1989.
* Peper, E., Ancoli, S., Quinn,M. Mind/ Body Integration.Plenum Press,New York. 1979.
* Green, E.E. e Green, A . M. Beyond Biofeedback. Delacorte Press, New York.1959.
Veja também: Recursos sobre Biofeedback na Internet
O AUTOR
Dr. José Chaves, Psiquiatria - Psicoterapia - Biofeedbackterapia. Coordenador do Laboratório de Psicofisiologia Aplicada e Biofeedback do Departamento de Psicologia-UFU. Professor Titular do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: epchaves @ triang.com.br
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