A degeneração das funções cognitivas é o tributo mais cruel que a natureza cobra dos que teimam viver mais tempo. Hoje em dia, é difícil encontrar família em que não haja alguém com Alzheimer ou outro quadro demencial, incapaz de reconhecer filhos e netos e de executar as tarefas cotidianas mais elementares.
Ao contrário dos avanços ocorridos em outras doenças degenerativas como as cardiovasculares e o câncer, no entanto, a trajetória clínica dos que chegam aos estágios mais avançados de demência, as opções de tratamento, o emprego de intervenções médicas agressivas e inúteis e a carga de sofrimento enfrentada por eles, costumam ser mal avaliadas.
Susan Mitchell e colaboradores acabam de publicar um estudo conduzido em 22 “casas de repouso” para idosos da região de Boston, que ajuda a entender melhor a natureza terminal das demências avançadas. Nele, 323 pacientes foram acompanhados por um período mínimo de 18 meses.
Os critérios para inclusão foram os seguintes:
1) Idade igual ou maior do que 60 anos;
2) Escore 5 ou 6 na Escala de Perfomance Cognitiva, teste no qual os portadores de funções cognitivas normais têm pontuação zero, enquanto os que se encontram nas fases mais avançadas de deterioração recebem 6;
3) Estádio 7 na Escala de Deterioração Global, fase em que as deficiências cognitivas são muito graves (incapacidade de reconhecer familiares), a comunicação verbal se torna mínima, a dependência para realizar atividades rotineiras é total, surge incapacidade para andar, incontinência urinária e fecal.
Embora muito enfermos, esses pacientes representam parcela significante dos portadores de demência, em qualquer país. No período de 18 meses, a mortalidade atingiu 54,8%. A sobrevida média foi de 1,3 ano. As principais causas de óbito foram pneumonias, episódios febris e distúrbios alimentares.
Em apenas 6 meses, a mortalidade chegou a 25%. Morreram cerca de 46% dos que tiveram pneumonia, 44% dos apresentaram episódios febris e 28% daqueles com distúrbios alimentares.
Nos últimos 3 meses de vida, 40% dos residentes receberam algum tipo de intervenção médica mais agressiva: internação em pronto-socorro, hospitalizações, nutrição parenteral (por via intravenosa) ou colocação de sonda gástrica.
Os que ficaram menos sujeitos a essas intervenções de utilidade questionável foram aqueles com familiares ou responsáveis informados e capazes de entender a natureza terminal do quadro de demência.
Episódios de falta de ar, dor, agitação, aparecimento de escaras, aspiração de líquido através das vias aéreas, ocorreram em 40% a 50% dos casos estudados, e se tornaram mais frequentes nos últimos dias de vida.
A importância desse trabalho é a de documentar que, nos estádios mais avançados, as demências devem ser entendidas como condições capazes de levar os pacientes à fase terminal, independentemente da existência de outras enfermidades. A maioria das mortes não é causada por eventos agudos, como infartos do miocárdio, derrames cerebrais, câncer ou descompensação de insuficiências cardíacas; o quadro demencial é a patologia de base responsável pelas complicações que levam ao óbito.
Com uma mortalidade de 25% em seis meses e sobrevida média de pouco mais de um ano, a expectativa de vida na demência avançada equivale à dos pacientes portadores de alguns tipos de câncer disseminado ou de insuficiência cardíaca grave (estádio IV).
Enquanto o índice de mortalidade das doenças mais comuns tem diminuído nas últimas décadas, o das demências continua a aumentar. Médicos, familiares e os responsáveis pelo planejamento da assistência médica devem estar preparados para enfrentar o desafio de cuidar dos que chegam às fases demenciais mais avançadas, poupando-os de intervenções inúteis que sobrecarregam o sistema de saúde e causam ainda mais sofrimento
Dr.Drauzio Varella
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