O segredo da longevidade da mulher mais velha do mundo
SÃO PAULO - O aperto de mão continua firme. Faz sentir os calos ásperos, cravados desde o século 19, tempo das grandes colheitas de algodão. Um documento de identidade comprova o que os olhos custam a acreditar: a senhora simpática, que ainda hoje oferece café aos visitantes, nasceu em 1880, quando Dom Pedro II ainda cavalgava por aqui. Naquela época, não havia bandeira do Brasil e o mapa do reino não mostrava Astorga, cidade do interior do Paraná onde vive Maria Olívia da Silva, a mulher mais velha do mundo.
Uma investigação minuciosa organizada pelo "Guinness Book" , o famoso livro americano dos recordes, chegou a vasculhar o Japão em busca de alguém com mais de 126 anos. Afinal, a expectativa de vida naquele país é de 82 anos, a mais elevada do planeta. Esforço em vão. Ainda não se tem notícia de uma pessoa tão idosa quanto Maria. Instigada pela história da anciã brasileira, uma TV japonesa desembarcou no Paraná em busca de segredos infalíveis de longevidade.
Os japoneses encontraram em Astorga, uma rústica cidade de 24 mil habitantes, a mesma visão desconcertante testemunhada pela reportagem: uma senhora que bebe refrigerante todos os dias, não desgruda do café e vive em um casebre de madeira cheio de goteiras. O pulmão dela, quem diria, conviveu pacificamente com o cigarro por 60 anos.
Entusiasmada, a ilustre aposentada conta que ouviu sua história pelo rádio. "Maria Olívia é uma mulher do Brasil inteiro!", diz, com o dedo em riste. O rosto dela também circula pela internet - palavra que desconhece. Aliás, todas as palavras lhe são estranhas.
"Nunca fui à escola", conta. Mesmo assim, ela tem muito a ensinar.
É como estar diante de uma enciclopédia esquecida dentro de uma sala vedada, sem comunicação com o mundo. Maria Olívia da Silva se lembra dos mais remotos fatos da infância, mas não sabe quem foi Getúlio Vargas ou Juscelino Kubitschek. Digo a ela que tem o mesmo sobrenome do atual presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva. E a resposta é um sorriso sem dentes, seguida por um semblante enigmático: "Ele é bom?", pergunta.
Humilde, a anciã mais famosa do País se espanta ao saber que viajamos por horas só para conhecê-la. Lembra-se de uma neta que mora em São Paulo e pergunta se a vida é feliz por aqui. Respondo que sim, entre espirros. "Você fica doente? Não é muito moça?" Qualquer resfriado é motivo de vergonha quando se conversa com alguém saudável aos 126 anos. É minha vez de sorrir, corando. "Sou um século mais nova do que a senhora."
RUGAS INCONTÁVEIS
Dentro de tantos anos de vida cabem casos de todos os tipos, destes que inspirariam qualquer novelista. Maria me conta sobre seus vilões como quem vê um filme. O principal deles foi o primeiro marido. "Eu me casei com 12 anos. Ele me enganou, já vivia com outra. A sogra me devolveu para meu pai."
Mocinhos foram poucos. Logo após a desilusão, trocou alianças com um viúvo, com quem teve 14 filhos. Deles, restam só três: dois legítimos, já doentes, e o adotivo Aparecido, que vive com Maria. É ele quem menciona um incêndio que destruiu a casa da família nos anos 60, enquanto trabalhavam na roça. "Até a foto do casamento queimou", diz Maria. Pergunto se ela sabe que é a mulher mais velha do mundo e outro sorriso se abre, espremido entre rugas incontáveis. A fotógrafa aproveita para pedir poses, com direito a mãozinha no queixo, como fazem as debutantes.
RG - Foi o RG que fez de Maria uma celebridade. Ao sentir dores no quadril, foi ao hospital, onde descobriram sua incrível data de nascimento: 28/02/1880. Ela veio de navio da Polônia, com três anos, mas foi registrada em Itapetininga (SP). Os pais trabalhavam ali como agricultores.
ESPERANÇA - Se 126 anos são o bastante? Maria garante que não. E promete viver mais três décadas só para morar na casa de tijolos que a Igreja constrói no quintal de sua atual moradia. "É só o que peço a Deus: saúde para viver mais uns 30 anos na casa nova. Fabricava tijolos com meu marido e, até hoje, só consegui morar em barracos de madeira."
BANANAS - Maria tem uma teoria de longevidade nada convencional. "Comam banana todo os dias", diz. A fruta acompanha feijão, frango e arroz, servidos sempre no almoço. Pela manhã, a dieta é à base de biscoito de polvilho e leite. Se a receita fosse infalível, o mundo estaria cheio de macacos centenários ... mas não custa tentar.
NEM O MÉDICO EXPLICA - Hábitos pouco saudáveis e vida longa não são sinônimos. É por isso que o caso de Maria chocou a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. "É uma aberração. Sempre recomendei a prática esportes, dormir bem, ter alimentação equilibrada, afastar o estresse e manter o humor. Não sei o que falar sobre ela", diz o geriatra José Carlos Vilela.
CAFEZINHO - No anel, vestígios de vaidade. Na espera pela casa, esperança em dias melhores. Aos valores que o tempo não apaga, soma-se a hospitalidade típica de antigamente. Na despedida, Maria nos acompanha até a porta. "Vão embora sem tomar café?". Coisa de gente que tem pouco, mas o pouco é sempre de todos. --
Agência Estado
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