quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Saudade

Recentemente retornei ao local onde passei minha infância e adolescência. Achar as raízes do passado pode ser tão belo quanto aguardar um lindo futuro que ainda não chegou. O passado deixa marcas na alma. Algumas boas, outras não. Depende de cada um a experiência e vivência da vida. A singularidade existencial é impar. Manhãs de outono nunca terão a beleza das manhãs de verão.

Andando por caminhos já percorridos encontrei-a. Caminhava no mesmo ritmo meu. Às vezes eu ia a sua frente, outras vezes ficava para trás. Porém sua presença era constante. Já tínhamos nos encontrado em outras ocasiões. Ultimamente tem me visitado com certa frequência. Talvez seja este o motivo que nos levou a viajar juntos.

Arrumamos as malas. E partimos rumo ao passado. Viagem longa. Caminhos belos e pedregosos. Somos assim: peregrinos de uma manhã que sempre está por vir. Disse a ela que Rubem Alves havia falado sobre sua existência. Curiosa como sempre, quis que eu citasse a frase. Para não me chamar de insensível, atendi seu pedido: “A saudade é a nossa alma dizendo para onde ela quer voltar”.

Achou a frase engraçada. Eu, no entanto, há considero poética. Após muito conversarmos virou-se para mim e disse-me que eu nunca poderia me separar dela. Havíamos feito uma aliança eterna. Neste momento quem deu risadas fui eu. Aliança eterna? Só se fosse na cabeça dela. Sou livre. Tenho o direito de fazer aliança com eu quero.

Ela calou-se por um instante. Ficou pensativa. Continuamos andando e percorrendo paisagens que ainda eram tão belas como há muitos anos atrás. O mesmo aroma do café, o perfume das flores eram os mesmos das mais belas manhãs de primavera. O vento era tão refrescante como os das tardes quentes de minha infância.

Olhando para a velha casa que ainda resistia bravamente contra o tempo, lembrei-me de abraços não dados, sorrisos não expressos, lágrimas não derramadas. E como um pássaro que cantava, recordei-me de Drummond: “Também temos saudade do que não existiu, e dói bastante”. Triste dor é aquela que o tempo não apaga.

Já em casa, minha companheira de viagem estava com as malas prontas. Era o momento de visitar outros corações. Clarice Lispector bem sabia que andar acompanhado pela saudade é sempre um momento dolorido: “Saudade é como se despedir de novo”.

A viagem foi longa. De dores e alegrias. Minha amiga já de malas prontas também precisava partir. Porém antes de se despedir repetiu bem baixinho no meu ouvido: “Se me esqueceres, só uma coisa, esquece-me bem devagarinho” (Mário Quintana).



Flávio Sobreiro

Filósofo pela PUCCAMP, Teólogo pela FACAPA, Estudante de Filosofia Clínica, Escritor e Poeta.

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