A inteligência do cachorro encanta os que com ele convivem; a dos macacos, então, nem se fala. Babuínos estabelecem hierarquias de comando e organizam estruturas sociais bastante complexas. Chimpanzés, gorilas e orangotangos vivem em comunidades com traços culturais tão singulares, que os primatologistas identificam a origem geográfica de determinado indivíduo, com base no uso de ferramentas para quebrar cascas de frutos ou na preparação de gravetos para caçar cupins nos ocos das árvores.
A partir dos estudos com primatas não-humanos, publicados nos anos 1960, a defesa dogmática de que a inteligência seria dom exclusivo do Homo sapiens tornou-se insustentável.
Entender a inteligência de que tanto nos orgulhamos como resultado de milhões de anos de seleção natural obedece à lógica evolutiva, visto que a evolução não cria características especiais para favorecer ou prejudicar qualquer espécie. Como atestam os dinossauros, a natureza é madrasta impiedosa.
De onde emergiu a consciência humana?
A resposta é bem simples: da consciência dos animais. Não há justificativa para considerá-la propriedade exclusiva da espécie humana, respondeu Ernst Mayr, o biólogo mais influente do século passado.
Aceita essa premissa, na última década, o foco da primatologia se deslocou para o estudo das características únicas dos seres humanos. Afinal, não se tem notícia de outros animais que componham sinfonias ou resolvam equações do segundo grau.
Uma conferência realizada há três meses na Alemanha reuniu cientistas interessados nesse tema. Para alguns, nossa capacidade de trocar a recompensa imediata por outra futura (sem a qual sequer iríamos à escola) é que nos diferencia de animais mais impulsivos. Outros argumentam que a paciência necessária para aguardar resultados mais promissores também tem raízes evolutivas, e que em certas situações experimentais somos mais imediatistas do que os chimpanzés.
Embora chimpanzés possam dar manifestações incontestáveis de paciência para aguardar resultados de suas ações, entre eles falta uma característica tipicamente humana: o altruísmo desinteressado. Há evidências claras da existência de comportamentos cooperativos e de altruísmo em outras espécies, mas eles estão sempre associados a interesses de reciprocidade. O verdadeiro altruísmo parece exigir níveis elevados de cognição que envolvem a capacidade de decifrar o estado mental do outro (a teoria da mente).
A generosidade para compartilhar alimentos com estranhos, cuidar de filhos alheios e ir à guerra em defesa de ideais abstratos resulta de processos adaptativos independentes, combinados pelos seres humanos de forma absolutamente original.
Todos os pesquisadores concordam que a habilidade para criar culturas complexas é característica unicamente nossa. Enquanto os demais primatas têm dificuldade de aprender com seus semelhantes, nós somos imitadores tão hábeis que os conhecimentos adquiridos por uma geração são transmitidos de pai para filho.
No entanto, a criatividade humana é fenômeno relativamente moderno. Durante milênios, a incapacidade de inovar manteve os hominídeos num pântano intelectual bem próximo dos demais primatas. Os museus mostram que as formas de machados, lanças, flechas e utensílios domésticos permaneceram imutáveis por centenas de milhares de anos, em diversas populações.
Como explicar que uma espécie de primatas nascida há 5 milhões de anos, apenas nos últimos 50 mil anos tenha aprendido a desenhar em cavernas, criado rituais para enterrar os mortos, a agricultura e as inovações tecnológicas que levaram o homem à lua?
Que processos adaptativos possibilitaram esse salto evolutivo que nos tirou do estágio pré-simbólico, abrindo as portas para o universo de símbolos característico das culturas contemporâneas?
Segundo o neurologista Daniele Riva, o substrato neurobiológico que precedeu esse salto é desconhecido. O domínio do instrumental simbólico foi mediado pela linguagem, responsável pela reorganização da mente, da consciência e do mundo social, fenômenos a partir dos quais emergiram valores culturais diversificados e inovadores.
Tais mecanismos adaptativos poderiam repetir-se com outros primatas? Surgirão macacos cultos como nós? Teoricamente, é possível; desde que haja tempo suficiente e o Homo sapiens seja extinto. Enquanto andarmos por aqui, eles não terão a menor chance.
Dr.DRAUZIO VARELLA
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