quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Metamorfoses

Quem nunca foi traído não pode dizer que sabe falar sobre tal tema. Há coisas na nossa vida que necessitam da experiência. Como falar que o nascer do sol é lindo se nunca acordamos de manhã para vê-lo? Como poetizar as noites de luar, se estamos debaixo dos cobertores, fechados no quarto? Impossível!

Como falar de traição se não passamos por tal experiência?

João era uma dessas pessoas que fizeram a dolorosa experiência de ser traído. Sua vida em tempos passados era tão linda como um jardim cuidado, onde a cada manhã as flores parecem mais belas. Fato é que uma alma que vive bem consigo mesma não consegue ver um dia tenebroso com plena tempestade sendo anunciado por um céu cinzento. A beleza da vida acontece nos pequenos gestos de amor do cotidiano. Semelhante às borboletas que embelezam os nossos jardins.

Porém a vida é um constante processo de metamorfose. A beleza de uma borboleta só acontece porque um dia ela sofreu este processo natural de se metamorfosear.

Meu amigo estava passando por este processo. Se pudesse impedir tal processo o teria feito. Mas era necessário que ele estivesse naquele casulo existencial. Talvez algum dia, ele poderia olhar para trás e contemplar aquele casulo de dores apenas como um momento triste.

Poderia ter dado mil conselhos ao meu amigo. Mas o deixei viver aquele momento que era só dele Palavras não podem mudar a dor que é singular. Muitos discordarão do meu ponto de vista. Dirão-me que palavras dão força e ajudam a superar crises. Dores são processos pessoais. Intransferíveis. Ninguém pode aliviar a dor que não lhe pertence.

Sábio foi Oscar Wilde que disse: “Posso partilhar tudo, menos o sofrimento”. Sofrimento não se partilha, se vivencia. Ninguém poderia sentir a dor de João. Nem eu que era seu melhor amigo. Diante da dor de João fiz uma opção: estar ao seu lado em silêncio.

Os verdadeiros amigos reconhecem a dor do outro apenas pelo olhar. As palavras não ditas são as que mais revelam o que se passa no interior de uma alma. O poeta Khalil Gibran sabia da importância do silêncio na vida humana e teve como mestres os melhores professores deste mundo: “Aprendi o silêncio com os faladores, a tolerância com os intolerantes, a bondade com os maldosos; e, por estranho que pareça, sou grato a esses professores”.

Talvez o processo de metamorfose possa ser uma bela noite estrelada. Onde iremos aprender que o passado pode brilhar um dia em nossa vida, assim como contemplarmos hoje o brilho de estrelas que nos chegam de um passado distante.

Naquela tarde de inverno, de uma alma que sofria, estava eu na casa de João. E no rádio tocava:

“Prefiro ser

Essa metamorfose ambulante

Do que ter aquela velha opinião

Formada sobre tudo

Do que ter aquela velha opinião

Formada sobre tudo...”

Metamorfose é nos despirmos do já sabido. E nos aventurarmos no não conhecido. E assim caminharmos pelo mistério da existência humana que se chama: vida!



Flávio Sobreiro

Filósofo pela PUCCAMP, Teólogo pela FACAPA, Estudante de Filosofia Clínica, Escritor e Poeta.

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