quinta-feira, 9 de setembro de 2010

CONFISSÕES DE UM FILÓSOFO



Sobre a dor





Nas grandes ausências do cotidiano ela se apresenta. Não escolhe os dias nublados, nem as manhãs de ressurreição. Sua presença é tão constante na experiência do viver como a brisa serena em uma doce tarde de verão. Não espera elogios, nem mesmo agradecimentos.



Arthur Schopenhauer assim escreveu sobre ela: "Quem deseja. Quem vive deseja. A vida é dor". Até mesmo Sêneca se aventurou por suas veredas: "Uma dor nova nasce da própria dor".



Nenhum pensador poderia apagar de minha alma a sua presença desagradável. Queria esquecer-me dela assim como a noite se esquece das trevas dando lugar à luz de um novo dia. Mas ela insistia em querer permanecer ali. Fizera sua morada em terras alheias. Tomara posse de um terreno que não lhe pertencia. Protestei, reinvidiquei meus direitos de proprietário. Lutei pela desocupação de terras. Tudo foi em vão. Só iria embora quando desejasse. Para mim não me restava outra alternativa, a não ser aprender a conviver com ela.



Foi sofrido nossa permanência num mesmo território chamado coração. Pedi muitas vezes que fosse embora. Chorei e implorei para que partisse. Sem nenhuma compaixão pelas minhas suplicas continuava ali. No mesmo lugar. Parecia feliz com o meu padecimento.



Aos poucos ia me definhando. Semelhante às folhas que precisam cair dos galhos de uma árvore para dar lugar a novas existências. Sentia que o inverno que havia chegado seria um dos mais rigorosos dos últimos tempos. Ansiava pela primavera de esperanças.



Éramos guerreiros lutando cada um por sua verdade. Ela de um lado, quieta e resistente; eu do outro, armado e atacando. Lados opostos, estratégias desiguais. Mar agitado e lua cheia, serena e bela.



Dentro de mim buscava razões para vencer uma guerra que não parecia ter fim. Foi buscando as armas da razão que poderia vencê-la que encontrei-me com C. S. Lewis. Ele me disse: "Deus sussurra e fala à consciência através do prazer, mas grita-lhe por meio da dor: a dor é o seu megafone para despertar um mundo adormecido".



A minha razão sempre fora o meu deus. E agora me vinha este tal C.S. Lewis falar-me que Deus gritava a minha consciência através da dor? Que loucura. Quando minha rival soube disso deu um leve sorriso. Este gesto inusitado de sua parte causou-me uma revolta ainda maior.



Mas cada vez que eu ia armado para um novo combate eu via o seu sorriso sereno. E cada vez ele me parecia mais doce. Tão doce como as maças vermelhas e suculentas que havia provado em minha infância.



E foi assim, olhando para o seu sorriso de possibilidades que foi se despertando dentro de minha alma um novo mundo. O deserto que nos separava começou a florescer aos poucos. O orvalho das manhãs frias ia aos poucos dando vida ao que já estava sepultado pelas longas lutas de uma guerra de incompreensões.



E foi assim que em uma manhã de sol, o frio daquela triste estação arrumou as malas e foi embora, dando lugar a primavera que estava chegando. Ela deu-me um abraço. E assim partiu. A primavera de uma nova existência chegou. O que a estação fria do inverno havia sepultado, a primavera da compreensão ressuscitou. Naquele novo jardim de possibilidades coloquei uma linda placa onde ainda hoje se pode ler: "Ninguém pode livrar os homens da dor, mas será bendito aquele que fizer renascer neles a coragem para a suportar" (Selma Lagerlof).





Flávio Sobreiro

Filósofo pela PUCCAMP, Teólogo pela FACAPA, Estudante de Filosofia Clínica, Escritor e Poeta.

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