quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Lágrimas

Foi quando refletia sobre uma frase de Sêneca que ela apareceu. Veio da nada, se é que algo possa surgir do vazio. Pode algo surgir do nada? Sêneca dizia: “As lágrimas derramadas aliviam a alma”. Sim, foi exatamente neste instante que senti o calor de sua presença rasgando a minha face. Veio sem avisar. Chegou de mansinho. Mas não veio só. Trouxe junto consigo um turbilhão de emoções. Cenas do passado que aos poucos se tornaram tão presentes e reais como o sol que ilumina o dia e traz vida aos seres.

Assustei-me com sua presença. Perguntei a ela o porquê de chegar sem avisar. Não quis responder-me. Confesso que a achei mal educada. Como chegar na vida de alguém sem ser anunciada? A boa educação pede que ao menos anunciemos antecipadamente alguma suposta visita que iremos fazer.

Ela disse-me que é assim que é. Para as coisas da alma não se deve buscar explicações lógicas e racionais. Não podia acreditar no que estava ouvindo. Eu que sempre procurava razões para tudo, via-me agora diante da presença desta ingrata e intrusa que aos poucos ia tomando conta do meu ser.

Perguntei a ela qual a razão de tudo aquilo. Eu estava tão bem me deliciando com alguns fragmentos de Sêneca. E de repente um turbilhão de emoções me assaltava o coração.

Que cena deprimente. Eu, um filósofo, chorando. Sendo invadido por aquela ladra da serenidade racional. A cada gota que escorria pela minha face, sentia a alegria dela. Isso me irritava profundamente. E me perguntava: “O que pode haver de engraçado nisso tudo?”

Ela me respondeu. Citou alguns pensadores: "Em todas as lágrimas há uma esperança" (Simone de Beauvoir); "As lágrimas represadas são a peçonha mortal do coração" (Camilo Castelo Branco); "As lágrimas são o extremo sorrir do amor" (Stendhal).

Para lhes falar bem a verdade, fazia um bom tempo que aquela “amiga” não aparecia na minha vida. Mas também não sentia sua falta! Verdade! Podem acreditar. Ela porém me falou que há tempos vinha tentando me avisar que mais cedo ou mais tarde iria chegar. Eu, no entanto, ignorava seus recados.

Mas ela chegou. De mansinho, sem fazer barulho. E junto consigo trouxe-me recordações tristes e alegres. Momentos que não gostaria de lembrar nunca mais. E momentos que poderia relembrar todas as manhãs de uma nova vida.

Depois da tempestade inicial, que destelhou os galpões da minha racionalidade, tudo foi se acalmando. Aos poucos fui ouvindo o gostoso barulho das últimas gotas de água pingando no solo de um coração seco de razões, e carente de sentimentos de amor e vida.

Ao final do dia, vislumbrei um belo arco-íris. Era a certeza de que precisaria imprimir as cores da vida nas paredes de minha casa existencial. Ela foi embora do mesmo jeito que chegou: sem avisar!

Mas antes de partir deixou um bilhete em cima da mesa: “Voltarei outras vezes para lhe recordar que minha presença tem o dom de não deixar você esquecer que é humano”.



Flávio Sobreiro

Filósofo pela PUCCAMP, Teólogo pela FACAPA, Escritor e Poeta.

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