Os americanos acabam de proibir o uso das palavras “light” e “ultralight” nos maços de cigarro. Cigarros dessas marcas têm gosto diferente dos comuns, porque são tratados com diversos compostos químicos e utilizam outro tipo de filtro.
Você não será ingênuo a ponto de supor que as companhias produtoras lançaram essas marcas no mercado para proteger a saúde dos dependentes de nicotina. Não as subestime, leitor, estamos falando de organizações inescrupulosas chefiadas por malfeitores profissionais.
Há quarenta anos, elas o fizeram com a intenção malévola de conquistar o público feminino e os adolescentes, e de dar aos homens que já fumavam a impressão de que concentrações menores de alcatrão e nicotina causariam menos câncer e doenças pulmonares.
Desde os anos 1950, os executivos que as dirigiam, os publicitários e os cientistas alugados por elas, estavam cansados de saber que cigarros “lights” são ainda mais perniciosos porque contêm mais aditivos e por causa das características farmacológicas da nicotina.
Veja só. Qualquer droga inalada cai na circulação sanguínea muito mais depressa do que ao ser injetada na veia. No caso do fumo, são necessários apenas seis a dez segundos para que a nicotina atinja o cérebro, velocidade que explica porque a primeira tragada traz alívio imediato à crise de abstinência do fumante.
Uma das características fundamentais da dependência química é que o controle da dose administrada não depende da força de vontade do dependente.
Como a nicotina se liga a receptores existentes nas membranas dos neurônios cerebrais, quando a droga é excretada, eles ficam vazios e o fumante entra em desespero. Aplacá-lo exige acender mais um, para que a droga absorvida nos alvéolos pulmonares chegue aos neurônios em concentração suficiente para ocupar todos os receptores disponíveis.
Desse modo, quem controla a quantidade de nicotina a ser absorvida em cada tragada é o cérebro do fumante. Se o cigarro é forte, poucas tragadas fornecem a dose necessária. Quando é mais fraco, elas se tornam mais profundas, demoradas, e o intervalo entre uma e outra encurta. Como consequência, a fuligem e os seis mil compostos químicos resultantes da combustão do fumo entram em contato mais íntimo e destruidor com os brônquios e alvéolos pulmonares.
Em documentação interna datada de 1983, tornada pública por ordem judicial, executivos da British American Tobacco (controladora da Souza Cruz, no Brasil) recomendavam a seus subalternos: “O ideal é que os cigarros de baixos teores não pareçam diferentes dos normais. Eles devem ser capazes de liberar 100% mais nicotina do que o fazem nas máquinas de fumar” - usadas nos testes oficiais.
Foram essas as razões que levaram as autoridades americanas a proibir a propaganda criminosa que insinua haver vantagens para a saúde nos cigarros “lights” e “ultralights”.
Com a falta de escrúpulos de sempre, entretanto, a reação das companhias produtoras foi imediata: criar embalagens de cores mais claras em substituição aos rótulos proibidos, contando que o usuário saberá reconhecer sua marca predileta. Pretendem mudar as cores dos maços para perpetuar o crime de falsidade ideológica cometido impunemente contra a população fumante, durante quase meio século.
Material que chegou às mãos do The New York Times mostra que uma das companhias pretende adotar o seguinte código nas embalagens: maço vermelho para cigarros comuns; verde para os mentolados; azul, dourado e verde claro para os “lights”; prateado e alaranjado para os “ultralights”.
Estudo publicado em setembro do ano passado no European Journal of Public Health revelou que mulheres e homens adultos acreditam que cigarros com maços prateados ou dourados fazem menos mal e são mais fáceis de largar, e que os adolescentes tendem a experimentá-los com mais curiosidade.
O Brasil poderia inovar e dar um exemplo para o mundo, como fizemos no caso da Aids. Por que o Ministério da Saúde não proíbe completamente o uso de cores em maços de cigarros? As embalagens conteriam apenas o nome da marca sobre o fundo branco e as imagens de advertência atuais.
Não custaria um centavo para os cofres públicos. Bastaria ter coragem para enfrentar as demandas judiciais e resistir ao poder corruptor dos fabricantes.
Dr. Drauzio Varella
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