Verônica Dutenkefer
Professora e psicóloga (veveduten@yahoo. com.br)
Esse texto que escrevo precisamente agora é mais um desabafo. Desabafo de uma profissional que está lecionando há mais de 22 anos e que não sabe se sobreviverá por mais dez anos, que é o tempo que ainda precisarei trabalhar (por mais que ame muito o que faço).
Trago comigo muitas perguntas que não querem calar. E talvez a mais inquietante seja: "O que será necessário acontecer para que se faça uma reforma educacional neste país?"
Constantemente ouço ou leio reportagens com as autoridades educacionais proclamando a má formação dos professores, culpando as universidades, a falta de cursos de formação e culpando-nos, evidentemente. Acham que se a educação neste país não vai bem, só existe um culpado: o professor. E aí vêm meus questionamentos: como um professor de escola pública pode fazer o seu trabalho se ele precisa ficar constantemente parando sua aula para separar a briga entre os alunos, socorrer seu aluno que foi ferido por outro aluno, planejar várias aulas para se trabalhar os bons hábitos, na tentativa vã de se formar cidadãos mais conscientes e de melhor caráter?
Nos cursos de formação nos é passado constantemente a recusa de um programa tradicional e conteudista. Mas nossas avaliações de desempenho das escolas, nossos vestibulares e concursos públicos ainda são tradicionais e nos cobram o conteúdo de cada disciplina.
Como pode num país... num Estado... num município haver regras tão diferentes entre a rede particular e a pública? Na rede particular as escolas continuam conteudistas; há a seriação com reprovação; e a escola pode suspender ou até mesmo expulsar um aluno que não esteja respeitando as regras daquela instituição. Na rede pública se vive mudando o enfoque pedagógico (de acordo com o partido que ganhou as eleições); é cobrado cada vez menos do aluno; não se pode fazer absolutamente nada com um aluno indisciplinado que até mesmo coloca em risco a segurança de outros alunos e dos funcionários da instituição. Dia a dia... minuto a minuto... professores são alvo de agressões verbais e até mesmo físicas, feitas pelos alunos.
A cada dia somos submetidos a níveis de stress insuportáveis para um ser humano. Temos que dar conta do conteúdo a ser ensinado + ser responsáveis pela segurança física de nossos alunos + sermos médicos + enfermeiros + psicólogos + assistentes sociais + dentistas + psiquiatras + mãe + pai... E, quando ameaçados de morte, recorremos a uma delegacia para fazer um boletim de ocorrência onde ouvimos: "Isto não vai adiantar nada!"
Meus bons alunos presenciam o mau aluno fazendo tudo o que não pode ser feito e não acontecendo nada com ele. É o exemplo da impunidade desde a infância. Meus bons alunos presenciam que o aluno que não fez absolutamente nada durante o ano, passou de ano como ele, que se esforçou e foi responsável. Houve um ano que eu tinha um aluno que era muito bom. E ele começou a faltar muito e ir mal na escola. Os colegas diziam que ele ficava empinando pipa ao invés de ir às aulas. Um dia, tive uma conversa com ele e perguntei o que estava acontecendo? E ele me disse: "Prá que eu vir à escola se eu vou passar de ano mesmo assim?" Então eu procurei aconselhar (como faço com meus alunos até hoje) que ele devia freqüentar a escola não para tirar notas boas nas provas ou passar de ano; ele deveria vir a escola para aumentar seu conhecimento, que é o único bem que ninguém lhe poderá roubar; que a escola iria ajudá-lo a aprender e a trocar conhecimentos com os outros e ajudá-lo a dar uma melhor formação para a vida... Depois dessa conversa ele não faltou mais tanto... porém nunca mais voltou a ser o excelente aluno que era.
Qual a motivação de ser bom aluno hoje em dia? Seus ídolos são jogadores de futebol que não
falam o português corretamente e que não hesitam em agredir seus colegas jogadores e até mesmo os árbitros. Ensinando que não é necessário haver respeito as autoridades e aos outros. Ou são dançarinas que mostram seu corpo rebolando na televisão e posando nuas para ganhar dinheiro. Para quê o aluno estudar se há tantas profissões que não são valorizados e nem respeitadas? ...
Conheci (e ainda conheço e convivo) ao longo de minha carreira na escola pública, inúmeros profissionais maravilhosos, pessoas que amam sua profissão, que se preocupam com seus alunos, que fazem trabalhos excepcionais, que possuem um conhecimento e formação excelentes, mas que estão desgastados e quase arrasados diante da atual situação educacional.
Li há poucos dias, num artigo, que os cursos de filosofia, matemática, química, biologia e outros, todos ligados à área de magistério, não estão tendo procura nas universidades. Lógico! Quem é que quer ser professor? Quem é que quer entrar numa carreira que está sendo extinta, não só pela total desvalorização e desrespeito, mas também pela falta de segurança que estamos enfrentando nas escolas?...
Fiquei indignada com uma reportagem na TV (que aliás adora fazer reportagens sensacionalistas colocando o professor sempre como o vilão da história) em que se relatava que numa escola um aluno ameaçava os outros com um revólver e, num determinado momento, o repórter perguntou: "Onde estava o professor que não viu isso?"
E agora eu pergunto: "O que se espera que um professor (ou qualquer ser humano) faça com uma arma apontada para sua cabeça? Ah, já sei... O professor deveria enfrentar as balas do revólver! Claro! Mas as universidades e os cursos de aperfeiçoamento de professores não estão nos ensinando isso...
Vocês têm conhecimento de como os professores de nosso país estão adoecendo? Vocês sabem o que é enfrentar o stress a que a violência moral e física tem nos submetido dia a dia? Vocês sabem o que é ouvir de um pai frases assim: "Meu filho mentiu, mas ele é apenas uma criança!", ou "Eu não sei mais o que fazer com o meu filho!", ou "Você está passando muita lição para meu filho, e ele é apenas uma criança!", ou "Ele agrediu o coleguinha, mas não foi ele quem começou!", ou ainda "Meu filho destruiu a escola, mas não fez isso sozinho!"
Classes super lotadas, falta de material pedagógico, espaço físico destruído, violência, desperdício de merenda, desperdício de material escolar (que os alunos recebem e, muitas vezes, não valorizam, pois afinal não precisam fazer absolutamente nada para merecê-los), brigas por causa do "Leve-leite" (o aluno não pode faltar muito, não porque isso prejudica sua aprendizagem, mas porque senão ele não leva o leite para casa).
Regras educacionais dissonantes, de acordo com a classe social dos alunos; impunidade.. . Mas a educação não vai bem por culpa do professor!
Encerro esse desabafo com essa pergunta que li há poucos dias, a qual foi vencedora em um congresso sobre vida sustentável: "Todo mundo \'pensando\' em deixar um planeta melhor para nossos filhos... Quando é que \'pensarão\' em deixar filhos melhores para o nosso planeta?"
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