Tsunami, a catástrofe
Renato Sabbatini
Imagine o leitor o seguinte cenário: uma onda de 40 metros de altura (o equivalente a um prédio de 10 andares) chega subitamente à costa norte brasileira, a uma velocidade de mais de 200 km/h. Cidades à beira-mar, como Fortaleza, são em questão de segundos varridas pela onda gigantesca, com uma energia equivalente ao consumo de eletricidade de um mês de todo o Brasil. Prédios e casas são derrubados, os sistemas de eletricidade e telefonia desaparecem, carros são destruídos e dezenas de milhares de pessoas são mortas por afogamento e por trauma. Poucos escapam: os que não morrem na hora são arrastados para o mar quando a onda, depois de invadir a terra firme por alguns quilômetros, recua finalmente.
Essa cena de pavor (que já aconteceu muitas vezes na história da Humanidade) é a conseqüência de um tsunami, palavra japonesa que denomina uma onda formada geralmente por um fenômeno geotectônico submarino (erupção vulcânica, terremoto, etc.). No século XVIII, Lisboa foi destruída por um tsunami, depois de um terremoto. Morreram cerca de 40.000 pessoas, o equivalente a um terço da população da época. O vulcão Krakatoa, ao explodir nos Mares do Sul, gerou um tsunami de "apenas" seis metros de altura. Morreram 30.000 pessoas, em uma zona que normalmente é pouco habitada.
Será que isso pode acontecer um dia? Essa possibilidade concreta existe, e foi descoberta por cientistas ingleses em 1996, na ilha de La Palma, nas Canárias, que ficam no Atlântico Norte, perto da costa oeste da África. Recentemente eles completaram os estudos que faltavam para fazer as estimativas finais, e anunciaram ao mundo suas apavorantes conclusões. Um vulcão denominado Cumbre Vieja (Pico Velho), que fica na parte sul da ilha, se entrar em erupção novamente, poderá provocar o deslocamento de um pedaço de rocha de alguns quilômetros cúbicos (do mesmo tamanho da Ilha de Mann, na costa inglesa) e sua queda no mar. Os fragmentos da rocha, espalhando-se por quase 80 km a partir de sua origem, gerarão um jato de água de 900 metros de altura e algumas dezenas de quilômetros de diâmetro, que por sua vez se deslocará como uma onda movendo-se a mais de 500 km por hora por todo o Atlântico. Em poucos minutos chegaria à costa africana, ainda com 100 metros de altura, desencadeando uma destruição inacreditável por até 20 a 30 km terra adentro. Mais algumas horas, e chegaria à costa de Portugal e da Inglaterra. Seis horas depois, a onda atingiria a costa leste dos Estados Unidos, ainda com 50 metros de altura, principalmente no sudeste (Geórgia e Flórida), depois o Caribe (Cuba, República Dominicana, etc.), e, finalmente, a costa norte brasileira.
Os cientistas estimaram que a destruição material poderia atingir a casa da dezena de trilhões de dólares. A perda em vidas poderá ser minimizada se houver um aviso prévio de que ocorrerá a erupção, ou em lugares mais distantes, como o Brasil, pelo fato de que a onda demorará várias horas até chegar ao litoral.
A Geological Society, uma vetusta e seriíssima sociedade científica do Reino Unido, da qual fazem parte os mais eminentes geólogos do mundo, achou a situação tão ameaçadora que resolveu formar uma comissão e lançar um aviso para os governos de todos os países que eventualmente ficarão no rastro da destruição.
Qual é a probabilidade de que isso venha a acontecer? Bem, a ilha Las Palmas nasceu há apenas 2 milhões de anos, de uma gigantesca erupção de uma vulcão submarino no Atlântico. Ela tem pelo menos três vulcões ativos, com duas erupções apenas neste século. A última erupção (do vulcão Cumbre Nueva, que, apesar do nome, é geologicamente mais antigo que o Cumbre Vieja) provocou uma instabilidade da rocha na lateral de uma montanha que é considerada a ilha marítima com a topografia mais íngreme do mundo. É essa rocha que poderá ser jogada ao mar com uma segunda erupção. Os cientistas descobriram isso realizando muitas simulações matemáticas complexas em supercomputadores, que deixaram pouca margem à dúvida.
No momento, o vulcão está inativo, e não há indícios de que esteja aprontando algo. Os cientistas instalaram um sistema super-acurado de medidas de distância, que percebem quando a terra sobre o vulcão "incha", o que quase sempre é prenúncio de uma erupção. Mas predições geológicas são notoriamente incertas: a taxa de sucesso é de menos de 60%. Por esse motivo, os especialistas acham que as populações ribeirinhas do Atlântico Norte e do Caribe devem preparar planos de contingência.
Agora imaginem a confusão e a dificuldade que deve ser evacuar uma cidade do tamanho de Fortaleza, ou um estado inteiro em risco, como a Flórida, em apenas 3 a 4 horas… O problema é que o ser humano não acredita em catástrofes que ainda estão muito no futuro. Todo mundo acha que não vai acontecer. Basta ver o que acontece toda vez que um terremoto sacode o Japão, ou a Califórnia, ou a América Central, lugares de alto risco, sabido e conhecido. Ninguém arreda pé de lá, e um fenômeno bem mais forte que o usual acaba sendo extremamente destrutivo. É o que veremos acontecer, agora, ou em futuro distante, com a ilha Las Palmas.
Correio PopularPublicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 31/8/2001 .
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