Amigo é pra se guardar
Chico Alencar - 22/07/2010
Mais que um dia, devia existir a Semana Internacional da Amizade. Nossa Santa Rosa de Viterbo (SP), como de hábito, já está sendo pioneira nisso. Velho(a)s amigo(a)s consolidam um encontro bienal da Susa (Semana Universitária) e do Terror (um time de ‘rachas’ nas férias, que com suas cores aurinegras impunha respeito e... gozações). Nesse 24 de julho tem o segundo reencontro festivo.
‘Toda saudade é uma forma de velhice’, ensina Guimarães Rosa, pela boca de Riobaldo, jagunço do seu ‘Grande Sertão: Veredas’. É mais animador ficar com meu amigo e cineasta Silvio Tendler: ‘não tenho saudades do meu passado: tenho orgulho’.
Cada um de nós é o que fazemos com o que fazem de nós. Simplificando: somos a elaboração das mil influências que recebemos, desde que nascemos. Pai e mãe, ouro de mina. Irmãos, existindo, são parceiro(a)s íntimos, cúmplices da nossa descoberta do mundo (ou deveriam ser). Mas o essencial, que nos constitui como seres humanos, são as escolhas livres das amizades. E que vão sendo tecidas ao longo da vida, como um barco talhado por nossas próprias mãos. Artesanais mas sólidos, fundamentais para a navegação no rio caudaloso e perigoso da existência.
Reencontrar amigo(a)s de infância, idílios escondidos, mitos alimentados – nossas Brigittes, Sophias e Cardinales bonitas (ou Mastroiannis, James Deans e Clark Gables) de carne e osso, passeando pela Praça da Matriz – aviva o sentido da nossa já longa trajetória. E nos faz lembrar, felizes, que tivemos infância e adolescência, sem economizar fantasias e sem precisar de grana alta – contravalor pelo qual tanta gente estúpida mata e morre.
Graças a Deus mantemos, como tesouros mais preciosos, amigos/irmãos desde então. Aqueles ‘de quem a gente tira prazer de ficar do lado, do igual o igual, desarmados’, como ensina ainda o Rosa, mineiro dos bons. Meu compadre Romeu Antunes ofereceu, há mais de 15 anos, a mim e ao Tadeu Rivalta, outro mano, uns versos que guardo na parede de minha casa carioca e do lado esquerdo do peito. Eu os oferto como flores a todos os que chegaram ao fim dessas mal traçadas linhas:
Amigo de infância é referência inestimável
Instrumento de memória
Prova irrefutável
Escotilha na barca da História
Que permite aferir em seguida
Se o que era continuou
Se o sonho da vida
Vestiu o molde e se realizou.
Amigo de infância é código de postura
Manga madura orvalhada
Brisa fresca da manhã
A mesma canção compartilhada
Passarinho, papagaio e rã.
Amigo de infância é linha que costura
A trajetória derramada em gesto
No tempo e no afeto.
*Chico Alencar, o Chicória, 20 de julho de 2010, Dia Internacional da Amizade
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